O que é?
As crianças começam a adquirir a linguagem desde o dia em que nascem. À medida que vão crescendo, as suas competências de linguagem e de fala vão-se tornando mais complexas. Vão aprendendo a utilizar a linguagem para expressar pensamentos, ideias e sentimentos, ou seja, para comunicar com os outros. Durante esta fase inicial de desenvolvimento da linguagem e da fala, as crianças também adquirem competências importantes para o desenvolvimento da literacia (aprendizagem da leitura e escrita). Esta fase, denominada de literacia emergente, também se inicia no nascimento e continua durante os anos pré-escolares. As crianças contactam e interagem com material escrito (por exemplo: listas de compras, revistas e livros) no seu dia-a-dia (em casa, na creche).
Este contacto dá-se mesmo antes da entrada no 1º Ciclo do Ensino Básico e, por isso, antes do processo formal de alfabetização.
A criança demonstra competências de literacia emergente quando, por exemplo:
- Reconhece palavras que rimam
- Rabisca com o lápis ou caneta
- Aponta para logotipos ou placas na rua e tenta adivinhar o que está escrito
- Diz o nome de algumas letras do alfabeto
Gradualmente, as crianças vão combinando os seus conhecimentos de linguagem oral (fala) com o que sabem sobre o material escrito e estarão prontas para aprender a ler e escrever.
O desenvolvimento da linguagem e fala está relacionado com a aprendizagem da leitura e escrita?
Sim. As experiências de linguagem oral adquiridas durante a idade pré-escolar preparam as crianças para aprender a ler e escrever durante os primeiros anos do ensino básico. Isso significa que as crianças que entram na escola com competências verbais mais fracas têm muito mais probabilidade de vir a ter dificuldades para aprender a ler e a escrever do que aquelas com competências linguísticas dentro do esperado.
Uma competência linguística que está fortemente ligada à aprendizagem da leitura e escrita é a consciência fonológica – o reconhecimento de que as palavras são compostas por sons, por exemplo, que a palavra “gato” é composta por quatro sons: “g”, “a”, “t”, “u”.
À medida que as crianças brincam com os sons (por exemplo, através de rimas, identificação de sons que se repetem, divisão de palavras em sílabas), vão eventualmente aprender a segmentar palavras nos sons que as compõem e vão associar os sons às letras correspondentes, o que lhes permite começar a aprender a ler e escrever.
Crianças que têm um bom desempenho em tarefas de consciência fonológica geralmente tornam-se leitores e escritores bem-sucedidos.
Quem está em risco?
Existem alguns sinais precoces que podem indicar que uma criança está em risco de apresentar dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita.
Crianças de idade pré-escolar com alterações de fala e/ou linguagem podem ter mais dificuldades para aprender a ler e a escrever quando iniciarem o ensino formal. Outros fatores incluem condições físicas ou médicas (por exemplo, nascimento prematuro, exigindo internamento em unidade neonatal; otites recorrentes; paralisia cerebral, etc.), perturbações do desenvolvimento (por exemplo, deficiência intelectual, perturbação espectro do autismo), condições económicas desfavoráveis, baixa estimulação linguística em casa e história familiar de alterações de linguagem oral e/ou escrita.
Sinais de Alerta
Os sinais que podem indicar posteriores dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita incluem: “fala de bebé” persistente, ausência de interesse por canções ou rimas infantis e conto de histórias, dificuldade em compreender instruções simples, dificuldade em aprender (ou lembrar-se) de nomes de algumas letras, dificuldade em reconhecer ou identificar letras do próprio nome da criança.
Papel do Terapeuta da Fala
Os Terapeutas da Fala têm um papel fundamental na promoção das competências facilitadoras da literacia emergente em todas as crianças, especialmente nas crianças em risco de desenvolver dificuldades de aprendizagem relacionadas com a leitura e escrita. O Terapeuta da Fala pode ajudar a prevenir estes problemas, identificando crianças em risco de apresentar dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita e intervindo para minimizar estas dificuldades.
A prevenção de dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita envolve o trabalho colaborativo com famílias, cuidadores e educadores para garantir que crianças de idade pré-escolar tenham experiências de qualidade e diversas oportunidades de participar em atividades promotoras de competências de literacia emergente tanto em casa como no jardim-de-infância.
Os Terapeutas da Fala também podem ajudar crianças mais velhas ou com alterações no desenvolvimento que tiveram poucas oportunidades de participar em atividades promotoras das competências de literacia emergente. As crianças que têm dificuldade em compreender os jogos e atividades de literacia emergente podem ser sinalizadas para avaliação especializada, para que a intervenção possa iniciar o mais cedo possível, a fim de se promover o desenvolvimento das áreas mais fracas e aumentar o sucesso da aprendizagem e desempenho académico.
A intervenção precoce é fundamental
A intervenção para a estimulação das competências de literacia emergente e aprendizagem da leitura e escrita é mais eficaz quando começa no início do período pré-escolar, porque estas dificuldades são persistentes e condicionam a aprendizagem da língua e alfabetização das crianças ao longo dos anos escolares.
No entanto, a promoção das competências de literacia emergente não se limita às crianças pequenas. Crianças mais velhas, particularmente as que apresentam alterações de fala e/ou linguagem, podem estar no estágio emergente de literacia e requerem intervenção com o objetivo de estabelecer e aumentar essas competências que são essenciais para aprender a ler e escrever.
O que é que os pais/cuidadores podem fazer?
Os pais/cuidadores podem ajudar as crianças a desenvolver competências de literacia emergente durante as atividades do dia-a-dia sem ter de adicionar um tempo extra para esta estimulação. Também há estratégias que os cuidadores podem utilizar durante os momentos de jogos e de leitura de histórias. É importante demonstrar às crianças que ler e escrever são atividades que fazem parte da vida diária e podem ser divertidas e agradáveis. As atividades para crianças em idade pré-escolar incluem:
- Conversar com a criança e dizer o nome de objetos, pessoas e eventos no ambiente e dia-a-dia da criança;
- Repetir as sequências de sons produzidos pela criança (por exemplo, “dadadada, bababa”) e acrescentar outros sons às suas produções;
- Conversar com a criança durante as atividades da rotina diária, como o banho ou refeição, e responder às suas perguntas;
- Chamar a atenção da criança para os materiais escritos no seu meio ambiente, como sinais de trânsito, logotipos de lojas ou marcas e embalagens de alimentos;
- Introduzir palavras novas ao vocabulário da criança durante os feriados ou épocas festivas (Natal, Carnaval, etc.) e atividades especiais, como visitas ao jardim zoológico, parque…
- Envolver a criança em canções e jogos de rimas;
- Ler livros com imagens e histórias que chamem a atenção para os sons, rimas e aliterações (palavras que começam com o mesmo som);
- Reler o(s) livro(s) favorito(s) da criança;
- Dirigir a atenção da criança durante o conto de histórias, apontando para as palavras e imagens enquanto lê;
- Fornecer à criança materiais diversificados para incentivar o desenho e a escrita (por exemplo, giz, papel, marcadores, tintas e pincéis);
- Incentivar a criança a descrever ou a contar uma história sobre os seus desenhos e anotar as palavras ditas pela criança.
Guida Neves
Terapeuta da Fala